ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E O ACTUAL MAPA JUDICIAL .

Por: Dr. Hilário Garrido, juiz de direito.
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Como o próprio nome sugere, organização judiciária é a forma como um Estado concebe, estrutura e organiza o seu poder judiciário, todo o sistema judiciário ou ainda, numa perspetiva mais restrita, a função jurisdicional, por via de lei, criando tribunais de diversas naturezas, tanto na perspetiva vertical como na horizontal. Melhor dizendo, é como se estrutura judicialmente essa nobre função do Estado de forma hierárquica com tribunais de primeira instância que são aqueles que recebem os casos em primeira mão e os tribunais superiores que são chamados para apreciar, em recurso, o que foi decidido em primeira instância.

Depois temos a estruturação horizontal que, para mim, é como se dispersam esses tribunais todos, no nosso caso, os de primeira instância pelo país todo por forma a atender as necessidades das populações, mais numa perspectiva que modernamente se chama justiça de proximidade, o que a meu ver, no quadro atual não é feita de forma justa ou até racional, com o cúmulo de haver na lei base apenas previsão de tribunais quase por todos os distritos, mas que se ficam pelos papéis, como se costuma dizer.

Só um pequeno reparo: quem acompanha a comunicação social portuguesa, viu que está em curso um debate típico (“queli qui é ele!”) sobre a alteração do mapa judicial (estamos em Fevereiro/2014), com tanta controvérsia a volta, mas salutar, como doutra forma não podia ser; mas provindo e seguindo os moldes “comme il faut”, no contexto político português, essa reforma passa no parlamento, mas a oposição usará mecanismos legais para alteração ou não ratificação dos diplomas que forem publicados e, no caso, provêem de um proposta do Governo para ser publicado como Decreto-Lei e não uma Lei formal, que até podia ser se o parlamento assim o quisesse, porque em matéria de competência legislativa, o único limite que há para o Parlamento é não legislar sobre a organização e funcionamento do Governo, tanto em STP, como em Portugal.

Não penso que haja um problema de constitucionalidade como já ouvi alguns deputados daquele país ventilar. Isto porque a reserva absoluta de competência da Assembleia da República é para a organização e funcionamento dos tribunais. Não se trata disso nessa reforma que o Governo português pretende. Trata-se, sim, de diminuir o número de tribunais em determinadas zonas e fazer uma redistribuição. Isso não é juridicamente bulir com a “organização e funcionamento” dos tribunais.

Daí que, não estando reservada à Assembleia da República, sendo portanto, como já referi algures, matéria de competência genérica ou partilhada, pode muito bem o Governo legislar sobre ela, assim como a própria AR.

Por “birra” política ou para se posicionar contra, a oposição, sobretudo da esquerda (PCP, BE, incluindo o PS), procura encontrar um laivo de inconstitucionalidade nessa reforma porque ela cria as chamadas “secções” que passam a existir onde eram tribunais e aí, como disse a Bastonária da Ordem dos Advogados portuguesa, há uma desqualificação dos tribunais que poderá ser esmiuçada em termos de constitucionalidade.

Vinha referindo ao nosso caso porque do ponto de vista hierárquico temos duas únicas estruturas verticais: Supremo Tribunal de Justiça e tribunais de primeira instância. Noutros países há três instâncias em que aparece um tribunal intermédio de segunda instância, que em Portugal se chama Tribunal de Relação, assim como na Guiné Bissau e em Moçambique. Será que devíamos ter também? Porquê? Isso é uma grande vertente da reforma judiciária. Eis a dica para reflexão! Precisando melhor: S.Tomé e Príncipe deve ter essas três estruturas de Tribunal de primeira Instância, Tribunal de Relação e Supremo Tribunal de Justiça?

Não querendo esquecer do Tribunal Constitucional que é uma instância embora tão suprema como todos os tribunais superiores, nomeadamente, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas (e outros ainda noutras paragens), o Tribunal Constitucional situa-se como que no vértice do triângulo judiciário, tão somente porque a sua especialidade é a de  velar pela constitucionalidade de todas as normas jurídicas que são aplicadas ou não em todos os outros tribunais quer superiores, quer intermédios, quer mesmo os de primeira instância (fiscalização difusa – todos os tribunais, onde as questões de inconstitucionalidades possam ser suscitadas pelas partes ou pelo Ministério Público).

Nestes casos, estou a referir-me a fiscalização concreta, ou seja, a situações que estejam a ser julgadas/apreciadas por quaisquer desses tribunais.

Temos, portanto, que o relacionamento do Tribunal Constitucional com todos os tribunais só existe nestas situações em que a  questão de inconstitucionalidade é suscitada por quaisquer das partes  num processo, incluindo o Ministério Público, quando tenha intervenção num caso.

De resto, todos e cada tribunal superior é absolutamente independente de qualquer outro e exerce a sua soberania sem nenhuma intervenção. E, para dissipar uma dúvida que anda por aí, cada tribunal superior é representado pelo seu Presidente e não pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Em termos de precedência protocolar, a questão que se levanta é saber (em países onde há Tribunal Constitucional separado e não como o nosso em que o papel deste é acumulado pelo Supremo Tribunal de Justiça) qual dos Presidentes fica em primeiro lugar. Depende de país; e normalmente, esta questão só se põe entre estes dois últimos tribunais (T.C. e STJ) que acabo de me referir. Em Angola o T.C. tem claramente uma posição superior, bastando dizer que é ele quem dá posse ao Presidente da República.

(Repiso sempre sobre a problemática da fiscalização da constitucionalidade, porque entendendo que é uma questão que os cidadãos devem interiorizar e procurar saber e conhecer na medida do possível, porque trata-se de uma obrigação todas as leis do país respeitarem a Constituição que é a nossa lei fundamental, porque é ela que define e estrutura o nosso Estado, cria os principais órgãos, sobretudo os de soberania, vinca o princípio do Estado de Direito (não gosto falar de democrático, porque um Estado de Direito é necessariamente democrático, como já vi nalguma doutrina dizer-se – quiçá do Prof. Doutor Jorge Miranda – um Estado em que não se respeita a separação dos poderes e os direitos fundamentais, não é Estado de Direito), porque mesmo nos países onde haja constituições com todo o formalismo de democracia, com separação de poderes e sobre os direitos humanos, não havendo respeito por isso, não é materialmente democrático, como vemos ocorrer em muitos países africanos, latino-americanos e em outras  latitudes.

E essa quase aparente superioridade hierárquica do Tribunal Constitucional vê uma consagração constitucional não tão expressa, mas que se pode inferir do artigo 126º quando descrimina expressamente : “Além do Tribunal Constitucional …” existem outros, tais como Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas e por aí ….. E isso, em Portugal, foi motivo para debate/controvérsia sobre a posição não tanto hierárquica mas protocolar sobre o Tribunal Constitucional e o seu presidente, ao ponto tal em que nos primeiros momentos consideraram-no como estando em primeiro lugar e hoje há como que uma aberração de estarem no mesmo patamar em que protocolarmente (ouvi isso de alta figura portuguesa de que não me recordo – não sei se foi o Prof. Bacelar Gouveia); quem chegar primeiro ocupa o primeiro lugar numa cerimónia. Até porque vi a lei de precedência protocolar de Portugal em que os dois Presidentes desses Tribunais estão no mesmo lugar.

Mas é preciso vincar que são só esses dois tribunais superiores (Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal de Justiça) que estão nesse nível máximo protocolar/hierárquico, se se quiser. Todos os outros Tribunais superiores, tais como Tribunal de Contas (no nosso caso) e outros noutras paragens como Supremo Tribunal Administrativo, ou mesmo o Supremo Tribunal Militar, Supremo Tribunal Eleitoral (Brasil), são todos superiores porque fora de questões constitucionais, as suas decisões são as últimas: não há recurso para nenhum outro tribunal.

Rigorosamente falando em boa linguagem jurídica e judicial aí se esgota a jurisdição. Cada tribunal superior é última instância na sua própria jurisdição. Só há a ressalva de as decisões de qualquer tribunal, seja ele superior ou de primeira instância, poderem ser recorríveis para o Tribunal Constitucional, apenas para a fiscalização da constitucionalidade, como já foi dito.

Os juízes desses tribunais todos designam-se tradicionalmente de juízes de direito (os de primeiras instância), juízes desembargadores (os de segunda instância – Tribunal de Relação) e os do Supremos Tribunais, juízes conselheiros, assim como se chamam os juízes do Tribunal Constitucional.

Embora a Lei Base do Sistema Judiciário desenvolva a nossa Constituição em termos de  organização judiciária de certo modo, ainda que, ao de leve, a nossa Constituição aponta para uma organização judiciária, quando refere no tal artigo 126.º:

Categoria de Tribunais

  1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de Tribunais:
  2. O Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal Regional e os Tribunais Distritais;
  3. O Tribunal de Contas.
  1. Podem existir tribunais militar e arbitral
  2. A lei determina os casos e as formas em que os tribunais previstos nos números anteriores se podem constituir, organizar e funcionar”.

Como já repetidas vezes referi, há que concluir, a partir de uma interpretação mais objectiva que, para todos efeitos há uma  espécie de hierarquização dos tribunais, sem prejuízo pela posição suprema de cada um, como são o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas e até o Tribunal Constitucional, que têm a mesma supremacia, pois são de jurisdições diferentes e nenhuma se sobrepõe à outra.

A confusão está no facto de haver uma especificidade, direi natural, ou do próprio Estado de Direito, de a Constituição atribuir a competência ao Tribunal Constitucional de, além de outras funções, fiscalização de constitucionalidade, ou seja, verificar se as leis ordinárias que são feitas pela Assembleia Nacional, Governo, Governo Regional ou Câmaras respeitam o que ela estabelece, porque ela é a mãe de todas as leis, devendo todas se submeterem a mesma.

É esta especificidade de competência que foi atribuída pela Constituição ao Tribunal Constitucional de “fiscalizar matéria de natureza jurídico constitucional” que levou, penso eu, os portugueses a produzirem tal redacção de “Além dos outros Tribunais, existem outros…..”

Uma hierarquia que não é hierarquia; porque, embora o tal artigo diga “além do Tribunal Constitucional”, não significa que o Tribunal Constitucional seja hierarquicamente superior. Pode-se concluir, sim, que do ponto de vista protocolar ou de precedência do Estado, este Tribunal possa estar em “primeira linha”; porque é como todos os outros tribunais superiores, instância máxima na sua área ou jurisdição. Por exemplo, o que o Supremo Tribunal de Justiça decidir na sua área, esgota a jurisdição. Acabou! O mesmo se diga do Tribunal de Contas.

Não há recurso, como há na jurisdição judicial, em que o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior. Os recursos existem dentro de cada jurisdição, como por exemplo o Tribunal de Contas. Nunca há, nem pode haver recurso de uma decisão do Tribunal de Contas para o Supremo, nem vice-versa, porque são todos tribunais superiores do Estado; em última instância, pode haver recurso de constitucionalidade.

Nessa redacção do artigo 126.º acima referido, precipitadamente, pode-se tirar a ilação de que o Tribunal Constitucional é Superior a todos. Não! Ele está sobre o mesmo regime de quaisquer outros tribunais superiores do Estado como são o STJ e o Tribunal de Contas.

Essa forma de redacção não encaixa na minha cabeça,  nem concebo, embora se encontra nas Constituições português e outras.

Além de Tribunal Constitucional,  é  a Lei Base do Sistema Judiciário que monta, à sua maneira, uma organização judiciária que só o é porque, ao fim e ao cabo, é ela que diz quantos e quais os  tribunais é que temos  e por onde é que se distribuem.

Do ponto de vista  de política de justiça, vejo mal que o que o legislador tenha vislumbrado uma organização judiciária para o nosso país que não tem nenhuma correspondência coma realidade. Mas esses males não existem por acaso. Isso advém da forma como se legisla em S.Tomé e Príncipe. Como? Normalmente as coisas vêm cozidas de Portugal por um especialista que recebe algumas orientações superficiais com indicação do que somos ou como temos que regular e, com algum pecado, ou seja, sem esses próprios especialistas confrontarem o que escrevem com a realidade pura do país, “atiram” isso para as nossas autoridades e faturam, claro!

Isso que temos como “organização judiciária”, como vou tentar demonstrar, não corresponde às necessidades do país, nem tem alguma racionalidade. Qual foi o critério? Demográfico/populacional ou territorial? Ou proximidade?

A única que tem sentido é a jurisdição regional. Na região autónoma do Príncipe justifica-se, sim, que haja um “Tribunal Regional”, não tanto pelo critério populacional, mas, sim, territorial e de proximidade. Doutra forma não era possível.

Só que na prática, em termos de como se organiza e funciona esse Tribunal Regional deixa muito a desejar. Primeiro, porque é irracional fazer-se deslocar magistrados e, inclusive, funcionários, com grandes custos para o erário público, para se fazer justiça no Príncipe.

Não! O que não é razoável, é criar-se condições, como atabalhoadamente se tentou criar, com apartamento mal situado e mal mobilado alí apenas para o Juíz, esquecendo-se do magistrado do Ministério Público, e, ingenuamente quis-se que esses dois magistrados lá ficassem. Ninguém que mora em S.Tomé vai passar a viver no Príncipe; por mais que ludibrie o poder que ele lá vai ficar, passando algum tempo, o que acontece, é que eles passam a maior parte do tempo em S.Tomé. É que as autoridades nem se quer se cuidam de escolher pessoas que são de lá ou que têm lá alguns familiares, para minimamente tentar manter essas entidades nessa região.

Ora, como dizia, a ideia de um Tribunal Regional faz todo o sentido para o Príncipe, porque é uma Região e é autónoma, o que não significa autonomia judicial em termos de soberania, desvinculado do sistema nacional, mas tem essa categoria porque o conceito autonomia deve ter dignidade constitucional, por ser um valor e uma conquista dos principianos. Daí que faça todo o sentido designar-se o tribunal do Príncipe, como Tribunal Regional, nada tendo a ver com a hierarquização, mas tão somente para marcar a dignidade autonómica.

E, contrariamente ao que se passa em S.Tomé, faz sentido entender-se que o critério de proximidade foi determinante, porque não se pode estar em S.Tomé a administrar a justiça no Príncipe, nem fazer deslocar entidades judiciárias para o Príncipe.

Proximidade consiste em levar a justiça o mais perto possível dos cidadãos, com menos custos possíveis, sobretudo em termos de deslocação. É evidente que isso só se concretiza na medida do possível e com alguma razoabilidade.

Estamos a falar de justiça em sentido global, compreendendo o sistema penitenciário e policiais judiciárias (PIC e PSP, que são órgãos auxiliares de justiça). Porque irracionalmente, já com as deslocações de toda a equipa judiciária para o Príncipe para fazer um julgamento, ainda se faz deslocar os condenados para S.Tomé para cumprir prisão, com custos terríveis e com a desumanidade horrível de obrigar o recluso a estar numa Cadeia em que não pode ser visitado por familiar que se encontra no Príncipe. É um problema de violação dos direitos do homem.

Portanto, como não me limito a criticar mas também a apontar soluções ou ideias, para a região autónoma do Príncipe, deve-se fazer um esforço não tanto oneroso e sem problemas de  maior para desqualificação da justiça, e, primeiro aproveitar os licenciados em direito que lá vivam permanentemente, como critério de selecção fundamental para recrutamento de magistrados. Conheço um caso de uma magistrada bem qualificada que já é santomense por ser esposa de um principiano, que em vez de ser aproveitada para ajudar a melhorar o sistema de justiça regional, tem ocupado o tempo a dar aulas, o que é absurdo, dado que é a pessoa mais qualificada que neste momento temos no Príncipe. Como somos o que somos, essa situação mantém-se.

Funcionários, por maioria de razão têm de ser  residentes, e não há problema para esse recrutamento porque, com 11.ª classe, que deve ser uma das primeiras exigências, em pouco tempo pode-se adaptar ou formar um funcionário judicial que pode fazer estágios em S.Tomé, quando possível.

Os magistrados que, igualmente, têm que ser residentes, são recrutados entre os licenciados e, não havendo licenciados disponíveis, pode-se recorrer a pessoas verdadeiramente idóneas – repito verdadeiramente idóneas, e não como tem sido a vida deste país de tudo ser aos “esquemas” e só são indicados os primos, amigos, familiares e “amigas” – e nomeá-las magistrados, desde que essa idoneidade não seja tais “experientes” que nunca leram ou estudaram qualquer coisa jurídica, mas são reconhecidos porque estão na Função Pública há quarenta ou mais anos, o que lhes faz ter capacidade de per si.

Já há edifício para tribunal no Príncipe, embora já não me lembre se tem mínimas condições para tal (lá fiz cerca 20 julgamentos com umas tantas deslocações) ou se precisa de uma profunda reabilitação, ou, porque não, construção de raiz e um edifício para dignificar o Príncipe que está mesmo na fase de refundação autonómica regional pois, quase que nunca existiu como uma entidade regional autónoma, pelo menos no sentido sério e democraticamente falando.

O Presidente do Governo Regional que não duvide! Havendo uma política de justiça séria, rigorosa e criteriosa (não me refiro em definição de política de justiça que é do Governo Central; refiro-me a ideia de justiça para concertar com este porque obviamente, o Governo Central não vai ficar no gabinete aqui em S.Tomé e delinear justiça para Príncipe; há que haver dialogo (diálogo!), pelo menos para o Príncipe. O que falta é seriedade, rigor e vontade séria de querer fazer funcionar o sistema, com um projeto credível. Estou certo que os nossos parceiros abraçam-no. Porque querem ajudar a justiça!

Debruçando-me agora sobre a justiça em S.Tomé, vejo muito mal essa esquematização do sistema.

O mapa judicial actual que funciona à base da Lei Base anterior, temos tribunal na capital, em Lembá e no Príncipe. Qual o critério? Lembá é mais longe que Caué, tem mais pessoas, há mais fluxo de litígio? Creio que não. Foi um critério aleatório ou para despachar o processo como se se estivesse a resolver a sério os problemas da justiça para as populações.

A actual Lei de Base faz uma reformulação do sistema judicial nos seguintes termos

Artigo 13.º

(Divisão judicial)

 O território nacional divide-se em três regiões judiciais, sendo:

  1. a) Região de Água-Grande, que abarca os distritos de Mé-Zóchi, Lobata, Cantagalo e Caué.
  2. b) Região de Lembá.
  3. c) Região Autónoma da Ilha do Príncipe”

Essa nova “Divisão judicial”, desde que foi publicada essa lei, nunca existiu, nem sei se existirá, o que para mim deve ser repensado e reformulado de acordo com a realidade, as condições das populações etc., no fundo, fazer funcionar um sistema que seja mesmo de proximidade das populações e com menos custos, como já referi.

Basta dar um exemplo em que uma simples agressão de ofensas corporais, seja de que grau for, que ocorra em  Caué (Porto Alegre, p ex.), faz deslocar da Polícia Distrital onde a queixa é apresentada, toda gente envolvida, inclusive testemunhas, familiares e curiosos, com custos que nem se imagina! É incrível! O mesmo se pode dizer de Cantagalo, Lobata e mesmo Mé Zochi, que parece mais próximo. Tudo vem até capital, pelo menos actualmente. Pensa-se na justiça? Reforma-se a justiça? Preocupa-se com a administração da justiça? Nem quero responder… enfim.

Vou me permitir fazer uma espécie de sugestão ou opinião sobre como, para mim podia haver dispersão ou distribuição do mapa judiciário a que a Lei Base actual chama de “Divisão judicial” e que não tem nada de mal.

A preocupação de um Estado deve ser proporcionar aos cidadãos, obviamente, dentro das suas possibilidades, maior proximidade da justiça para menos custos, assim como a celeridade e eficácia.

Nem sei porque se classifica de “Tribunal Regional de Lembá” e “Tribunal Regional do Príncipe”. Primeiro,  donde apareceu este conceito região, quando, além do Príncipe, a divisão administrativa é distrital? Porque não chamar tribunal distrital? E mesmo o Príncipe que é uma região, tem essa designação por nome; porque não há nada de diferença pois, como diz o artigo 24.º, que fala de recursos, todos os recursos são decididos pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo o que a lei disser a contrário, o que não localizei, salvo lei futura.

Ou seja mesmo com designação de região os tribunais são de primeira instâncias e as suas decisões vão sempre para o Supremo, uns para um juíz singular (Conselheiro), de cuja decisão é passível de recurso ao Pleno do Supremo, ou seja, instância que compõe todos os Juizes deste Tribunal.

Para precisar melhor o meu entendimento sobre o conceito “Região”, digo que parece ser uma categoria de tribunal diferente dos outros, tirando o Supremo e, logo, com algumas competências especiais etc. Por exemplo, um simples conflito de contencioso administativo podia ser resolvido no Príncipe, sem ter que vir para S.Tomé! Mas os que envolvessem o Governo Regional ou outros órgãos superiores, esses sim viriam para o Supremo Tribunal de Justiça.

Já me referi na composição  funcional do Supremo que tem Secções Cível e Fiscal, Penal e Administrativa, sendo, também que cada decisão dessas secções é recorrível para o Pleno.

Falando mesmo do que penso que devia existir na distribuição judicial seria mais ou menos o que segue.

Raramente existem casos cíveis noutros tribunais que não na capital. No Tribunal de Lembá presumo que não haja nem 10 casos por ano, porque até, muitos casos vão para a capital e são resolvidos alí, penso eu, sem que os juízes dêem conta do problema das competências territoriais, ou seja, os casos são resolvidos onde os factos ou conflitos ocorrem, assim como há outros tipos de competências, tais como material, hierarquicas etc.

Há uma gíria judirico-judicial a nível de crimes, os chamados “bagatelas penais”, que são pequenos crimes tais como ofensas corporais simples, furtos simples, simples difamações, injúrias ou calúnias e muitos outros crimes cujas molduras penais são menores, ou seja, penas “leves”, que talvez não ultrapassem 2 anos. Eu direi mesmo que há “bagatelas cíveis”, em que as pessoas têm conflito, mas que não são crimes, tais como pequenas dívidas e muitos outros casos que não justificam recorrer aos tribunais de primeira instância, a que eu preferia chamar d “Distritais” que “Regionais”, caso de Lembá etc.

Estas pequenas causas devem ser resolvidas por instâncias pequenas, mas com todo o poder judicial, cujas decisões devem ter a força de um sentença. Para esses casos, eventualmente, podia-se, em caso de uma das partes não concordar, recorrer para os tribunais distritais (Regionais, como diz a lei).

É por esses pequenos casos que em muitos países se criaram estruturas judiciais pequenas, para cíveis e crimes, em que em crimes se poderia chamar de tribunal de polícia, onde exista um juíz especial (sempre licenciado em direito e não como o “saudosos” juízes populares que já existiram entre nós, que bastava que fossem adultos ou supostamente “idóneos” para decidirem).

Há na Guiné-Bissau estruturas como essas, cujos nomes não me ocorrem agora, em que se resolvem pequenas causas. Há os chamados julgados de paz. Em Brasil até se criou um tribunal especial que se chama “Juizados Especiais”, que é itinerante, ou seja, deslocam-se numa viatura,  vão aonde há conflito e resolvem-nos. Conheci o caso de pequenos acidentes em que esses tribunais se deslocam para os locais onde há ocorrem esses acidentes. E penso que também resolvem várias pequenas causas. Não os conheço a fundo; foi só quando lá estive num congresso de juízes.

Não resisto em me lembrar dos casos de países como Moçambique ou Angola em que a justiça é feita pelos “sobas”, que são personalidades de idade avançada (anciãos). Vejo alguma similitude nessa judicialidade toda.

Portanto, para mim, devia haver “Tribunais de Polícia” para casos de pequenos crimes e tribunais de pequenas causas. Estruturas pequenas, sem custos de maior em que se resolvem essas causas.

De resto, é bom repensar a nossa organização judiciária que, em bom rigor, não consegui conceber um modelo ideal, senão a modesta ideia que acima ventilei. Mas deve-se colocar tribunais com dimensão a medida das zonas ou áreas de forma a ser mais eficaz e menos oneroso para as populações, buscando sempre tal conceito de “justiça de proximidade”.

Obviamente que o processo para esses casos de pequenas causas deve ser muito célere, ao ponto de no mesmo momento em que os casos são apresentados ser resolvido a final e em definitivo, salvo casos de recurso para o tribunal de primeira instância. Ou seja, no mesmo dia é resolvido o assunto, ficando o cumprimento das decisões por cumprir nunca mais de uma semana, salvo casos de pagamentos em dinheiro, em que o arguido ou o réu tenha algum tempo para pagar o que deve ou o que tem de indeminizar ou compensar.

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