FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA DA CONSTITUCIONALIDADE 

FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA DA CONSTITUCIONALIDADE 

– Lei n.º 19/2017 de 26 de Dezembro – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional da República São-Tomense

Por

JONAS GENTIL* e J. JHÚNIOR G. DE CEITA**

(Presidente e Vice-Presidente do Instituto do Direito e Cidadania)

Este breve texto resulta muito por causa das questões, dúvidas e toda a problemática que tem assolado a sociedade são-tomense a propósito da promulgação e a consequente publicação da recente Lei n.º 19/2017 de 26 de Dezembro – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e, tratando-se também de uma matéria que os autores há muito estudam em co-autoria para uma breve publicação numa das mais prestigiadas revista jurídica portuguesa, a Themis, assim, não poderiam, tendo em conta a actualidade e a pertinência das questões suscitadas, deixar aqui de emitir a sua opinião sobre o assunto. Estamos todavia convictos de que os sucessivos atos praticados ao longo deste processo tem despoletado inúmeras questões e tendo em conta a celeridade dos mesmos não nos será possível abordar todos eles com rigor – o que faz com que não nos pronunciaremos sobre todos elesi.

 

Assim, em resumo, a análise terá por objecto um estudo preliminar do artigo 145.º (cuja epígrafe é: “Fiscalização preventiva da constitucionalidade”) da Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe de 1990 – com a redacção operada pela Lei de Revisão Constitucional n.º 1/2003 de 29 de Janeiro. No entanto, é de salientar que com este artigo não se propõe (ou se pretende) tratar de questões jurídicos-substantivos, isto é, não é nosso fundamental objectivo considerar aqui questões de carácter material mas tão-somente questões de direito adjetivos, ou seja, direito processualii. Assim, questões que se prendam com a legitimidade processual e observância e cumprimento dos prazos processuais na prática de actos que, em si mesmo, fazem “correr” os processos como são os casos de “notificações” e “citações”, bem como os resultados que se podem retirar da não observância das formalidades necessárias a sua prática bem assim como as consequências do desrespeito pelo prazo legalmente estabelecido para a sua realização.

 

Antes, porém, de prosseguir para as demais análises que se possa fazer do caso concreto, cremos ser necessário deixar claro, a título preliminar, de que, no nosso melhor entendimento sobre a matéria, a principal característica do sistema de fiscalização judicial de constitucionalidade criado pela Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe (CRDSTP) reside na sua complexidade ou, como muitos preferem, na multiplicidade de modelos jurídico-constitucionais que concorrem na sua caracterização. As decisões do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização preventiva, para além de decisões de natureza processual (não conhecimento do pedido por extemporaneidade, por exemplo), o Tribunal Constitucional pode proferir um de dois tipos de decisão, em sede de fiscalização preventiva, a saber, pronunciar-se pela inconstitucionalidade ou não se pronunciar pela inconstitucionalidade da totalidade ou de parte das normas submetidas a sua apreciação. Entrementes, no caso de o Tribunal se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante de qualquer norma jurídica (Leia-se: lei ou decreto-lei e ou ainda acordo ou tratado internacional), o diploma deve ser obrigatoriamente vetado pelo Presidente da República, pelo contrário, porém, se aquele não se pronunciar pela inconstitucionalidade, esta decisão não fará, em caso algum, caso julgado, podendo vir a ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral em sede de um processo de fiscalização abstracta sucessiva. No caso de veto por inconstitucionalidade, estabelece a CRDSTP que, os diplomas em causa nunca poderiam ser promulgados ou assinados sem que o órgão que o tiver aprovado haja expurgado a norma julgada inconstitucional ou, quando for caso disso, “…o confirme por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria dos deputados em efectividade de funções (Artigo 146.º, n.º 2 da CRDSTP). No caso de confirmação do diploma, o Presidente da República não é obrigado a promulgar (ou a assinar) a norma (Artigo 146.º, n.º 3 da CRDSTP). Situação diversa ocorre na confirmação do diploma vetado politicamente pelo Presidente da República casos em que é obrigatória a promulgação ou assinatura (Artigo 83.º, n.º 2 da CRDSTP). No caso, porém, de o órgão autor do diploma onde se achava a norma objecto de pronúncia de inconstitucionalidade a expurgar ou vir a reformular o diploma, poderá o Presidente da República requerer a apreciação preventiva da inconstitucionalidade de qualquer das suas normas (Artigo146, n.º 3 da CRDSTP). Na mesma ordem de ideias, se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante de tratado, o Presidente da República só pode ratificálo – embora não seja obrigado a fazê-lo, uma vez que a ratificação é um acto livre do mais alto magistrado da nação – se a Assembleia da República o vier a aprovar por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções (artigo 146º, n.º 4 da CRDSTP). Se o Tribunal Constitucional não se pronunciar pela inconstitucionalidade do diploma, o Presidente da República livre será para promulgar ou assinar os decretos em causa, em caso de não exercer o direito de veto políticoiii.

 

Em suma, e na senda do ilustre professor Catedrático Jorge Bacelar Gouveia, o sistema de fiscalização da constitucionalidade em São Tomé e Príncipe, de acordo com a CRDSTP, é um sistema jurisdicional, com intervenção de uma pluralidade de instâncias judiciais, cobrindo grande parte dos actos jurídico-públicos. Sendo por isso mesmo e em primeiro lugar um sistema jurisdicional, e não político, porque esta tarefa está cometida a órgãos de soberania que se inserem nos tribunais. Em segundo lugar, trata-se de um sistema difuso e concentrado porque a intervenção de fiscalização é atribuída tanto aos tribunais em geral como especificamente ao Tribunal Constitucional, ainda que este tendo a última palavra. Assim, a fiscalização da constitucionalidade na Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe de 1990, Lei Fundamental em vigor na nossa ordem jurídica, é um sistema preventivo e sucessivo porque a fiscalização incide tanto no procedimento de elaboração de certos actos jurídico-públicos como fundamentalmente depois de os actos jurídico-públicos estarem concluídos. Finalmente, trata-se de um sistema de fiscalização da inconstitucionalidade por acção e por omissão porque fiscaliza a inconstitucionalidade que se traduz na violação da Constituição tanto por acção como por omissãoiv.

 

Posto isso e, por forma a não perder de vista o fio condutor deste trabalho, voltemos ao pertinente ponto que aqui nos propusemo-nos a analisar. Assim, para aquilo que é relevante nesta observação, importa transcrever a disposição constitucional em causa, isto é, o artigo 145.º “Fiscalização preventiva da constitucionalidade” da CRDSTP, para melhor enquadramento e estudo dos eventuais problemas e dúvidas de interpretação que possam surgir com a sua aplicação em concreto.

Nestes termos, o referido artigo dispõe o seguinte:

“1. O Presidente da República pode requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de acordo ou tratado internacional que lhe tenha sido submetido para a ratificação, de lei ou decreto-lei que lhe tenha sido enviado para a

promulgação. 

  1. A apreciação preventiva da constitucionalidade deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data da recepção do diploma.
  2. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de diploma que tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções.
  3. O Presidente da Assembleia Nacional, na data em que enviar ao Presidente da República diploma que deva ser promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos Grupos Parlamentares da Assembleia Nacional.
  4. A apreciação preventiva da constitucionalidade prevista no número 3 deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data prevista no número anterior.
  5. Sem prejuízo do disposto no número 1, o Presidente da República não pode promulgar os diplomas a que se refere o número 4 sem que decorram oito dias após a respectiva recepção ou antes do Tribunal Constitucional sobre eles se ter pronunciado, quando a intervenção deste tiver sido requerida.
  6. O Tribunal Constitucional deve pronunciar-se no prazo de vinte e cinco dias o qual, no caso do número 1 pode ser encurtado pelo Presidente da República por motivo de urgência.”.

 

Por conseguinte, necessário se torna reconhecer, em primeiro lugar que: “Podem requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de diploma que tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro ou um quinto dos

Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções”(n.º 3). Note-se que, no caso em análise, o Presidente da Assembleia Nacional ao enviar ao Presidente da República o diploma para promulgação “como lei orgânica”, deve dar conhecimento desse facto ao Primeiro-Ministro e aos Grupos Parlamentares (n.º 4), acto que, confirmando a autenticidades dos documentos disponibilizados nas redes sociais, parece que efectivamente teve lugar a seu tempo. Assim sendo, o pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade prevista no n.º 3, isto é, os pedidos feitos tanto pelo Presidente da República, Primeiro-Ministro e bem como por 1/5 dos Deputados à Assembleia Nacional, devem necessariamente ser requeridos no prazo de oito (8) dias a contar da data do envio do diploma ao Presidente da República para promulgação

(articulação dos n.os 3, 4 e 5). Um aspecto ainda, quanto a nós, digno de relevo para a interpretação deste artigo145.º está no seu n.º 6. Mais uma vez trazemos a colação o ilustre professor Catedrático Jorge Bacelar Gouveia, por considerar que “Assinala-se aqui [leia-se: nesta norma] um caso de promulgação temporariamente proibida, essa proibição só terminando quando o prazo para que a sua fiscalização preventiva seja solicitada – que é do mesmo modo de oito dias – se tenha esgotado…”. Deste modo, durante esse período o Presidente da República nada poderá fazer a não ser deixar correr o prazo e, uma vez esgotado o mesmo, poderá então promulgar o instrumento jurídico em causa sem que se levante qualquer problema. A parte final do artigo é igualmente pertinente. Aí se estabelece que o Presidente da

República não poderá promulgar o referido diploma nos oito (8) dias após a respectiva recepção “… ou antes do Tribunal Constitucional sobre eles se ter pronunciado, quando a intervenção deste tiver sido requerida, é esta parte final que por ora interessa e tem levantado as maiores dificuldades de interpretação.

 

Nesta matéria, uma questão teima em entrar na linha de conta, a saber: Que órgão tem a incumbência de comunicar ao Presidente da República que foi requerida a intervenção do Tribunal Constitucional para que se possa invocar já o prazo previsto no n.º 7, isto é, o de 25 dias para a pronúncia deste órgão sobre eventual (in)constitucionalidade das normas. Ora, nesta matéria a nossa opinião é a que ainda que não houvesse nenhuma disposição legal de natureza processual que indicasse concretamente sobre quem recai esta tal honrosa “obrigação jurídica” caberia, em última análise, ao Tribunal Constitucional comunicar ao Presidente da República sobre a existência de um qualquer requerimento desta natureza, informando, entre outros, a data a que a mesma deu entrada e o número de registro nas secretarias do respectivo tribunal. Suportamos este entendimento por duas ordens de razão. Em primeiro e o mais importante e que, em matéria judicial a obrigação de notificar e ou citar (caso seja exigível) é da exclusiva competência dos tribunais (através das suas secretarias), quanto mais não seja vejamos: reza o artigo e, em segundo lugar mas não menos importante é o facto de estarmos na presença de dois órgãos de “soberania”, por um lado os tribunais (mais concretamente o Tribunal Constitucional) e, por outro, o Presidente da República, cuja dignidade soberana requer, para que se considere notificado e portanto ciente de que foi requerido um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade nos termos do artigo 145.º da CRDSTP (quer seja por parte de um quinto (1/5) dos deputados ou pelo próprio Primeiro-Ministro) mais do que meras notícias nos meios de comunicação social (que imensas vezes não passam de “boatos”), cartas dos proponentes da ação ou mesmo, quando for o caso, um telefonema por parte do próprio Presidente do Supremo

Tribunal de Justiça (nas vestes do TC) e/ou qualquer Juiz Conselheiro deste tribunal, pois, pela dignidade que a CRDSTP confere a figura do Presidente da República não se vislumbra nada menos que uma “notificação oficial” por parte do Tribunal Constitucional, como sendo um meio idóneo de se comunicar ao Presidente da República sobre o facto de que um processo desta natureza foi requerido e tem corrido os seus termos, devidamente acompanhado com todas as informações relevantes ao mesmo. Na ausência de um tal procedimento, todas as demais “demarches” não passarão, e nem deverão passar, de meras especulações que nenhum efeito jurídico poderá lograr ainda que se verifiquem de facto.

 

Acresce que saindo do mundo das possibilidades, temos um Código de Processo Civil (CPC) que, como se sabe, disciplina o desenvolvimento de todos os processos que correm nos tribunais da República São-tomense. Nos termos do artigo 267.º, n.º 1, deste diploma legal, uma “acção”só se poderá considerar proposta quando a petição inicial (leia-se, para este efeito, requerimentos) seja “…recebida na secretaria…”. Porém, ainda de acordo com a mesma disposição legal (agora no seu n.º 2), o legislador nacional estabeleceu que não obstante ser verdade que uma acção se considera proposta com o recebimento da respetiva petição inicial esta apenas produzirá os seus efeitos em relação ao réu (leia-se, a outra parte) quando este seja correctamente “…citado…”, sem prejuízo de disposição legal em contrário. Mais, nos termos do artigo 228.º do CPC, a lei define a “citação” como sendo o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender ou, do mesmo modo, chamar ao processo, pela primeira vez, ao processo determinadas pessoas interessadas na causa. Na sequência, a mesma disposição legal deixa patente no seu n.º 2 que, diferentemente, “notificações” são atos processuais que servem para “…em quaisquer outros casos, chamar alguém ao juízo ou dar conhecimento de um facto” e é precisamente aqui onde pretendemos focar a nossa análise. Não sendo o Presidente da República, em momento algum, “réu” num processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade de um diploma legal (caso concreto) não se aplica o instituto de “citação” mas tão-somente a de “notificação” uma vez que a este, o Presidente da República, em qualquer dos casos, se dará não mais do que “… conhecimento de um facto que na prática será a transmissão, em termos formais, de que deu entradas nos tribunais um requerimento com vista a se iniciar um processo de averiguação preventiva de constitucionalidade de uma dada norma jurídica (no caso concreto da Lei n.º 19/2017 de 26 de Dezembro – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional)v.

 

Por conseguinte, não se torna embaraçoso vislumbrarmos que, não havendo esta comunicação ou caso haja mas esta seja extemporânea, isto é, fora dos oito dias estabelecidos como prazo máximo da chamada “obrigação de não promulgação” de um documento desta natureza por parte do Presidente da República, parece-nos que o Presidente da República terá toda a legitimidade/competência para promulgar o referido diploma nos termos da atual moldura constitucional, sem que mais nada se possa fazer contra um tal facto (que se consubstancia no exercício de uma competência constitucionalmente atribuída) a partir deste momento, pois a promulgação de um diploma legal, como um acto político da exclusiva competência do Presidente da República (nos termos do artigo 80.º, alínea e) conjugado com o artigo 83.º, ambos da CRDSTP), não será passível de qualquer controlo judicial e, neste sentido, uma vez promulgado o documento e publicado e respeitado que seja o prazo de oito (8) dias estabelecidos pela CRDSTP sem que seja este notificado em conformidade com as leis da República, o diploma em causa entra em vigor nos termos do previsto na lei e CRDSTP.

 

Por seu turno, se considerarmos existir uma comunicação/notificação por parte do Tribunal Constitucional ao Presidente da República dentro do prazo estabelecido constitucionalmente e tomando em consideração a hora legal de funcionamento da secretaria da Presidência da Repúblicavi, este órgão de soberania (o TC) terá então 25 dias para se pronunciar sobre o pedido. Assim, partilhamos da opinião que caberá ao Tribunal Constitucional enquanto órgão competente para “… especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” (Artigo 131.º) e, neste particular, “… apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade, nos termos dos Artigos 144.º e seguintes.” (Artigo 133.º), notificar, de acordo com as regras constantes do Código de Processo Civil, outro órgão de soberania, neste caso, o Presidente da República, que 1/5 dos Deputados à Assembleia Nacional (e não já Grupos Parlamentares por exemplo) ou o Primeiro-Ministro que foi suscitada a inconstitucionalidade do referido do diploma nos termos propostos anteriormente.

 

Dito de outro modo, deixe-nos academicamente exemplificar com o seguinte caso: Se o sujeito A alegando que intentou uma acção contra B e, por sua própria iniciativa, A resolve informar a aquele que assim procedeu e que, em virtude deste facto, este não poderá ausentar-se do país, é possível que, em termos processuais, se declare que o B [que ainda não foi judicialmente notificado (e ou citado)] está juridicamente vinculado e notificado para o efeito do processo em curso sem que esta medida/comunicação seja, de facto, levado a cabo por quem de facto é competente para o efeito – os tribunais? Mister será dizer que jurista algum responderá de forma positiva uma tal questão. De igual forma, o Tribunal Constitucional não estaria também legalmente competente para proceder a fiscalização preventiva nos termos constitucionais, caso os argumentos invocados para a inconstitucionalidade do diploma fossem insuficientes, declarar/considerar liminarmente improcedente o pedido, como foi decidido pelo próprio Tribunal Constitucional em agosto de 2017 quando lhe foi solicitada a inconstitucionalidade quando ainda não se tratava formalmente de uma norma legal (uma vez que se tratava de uma norma jurídica em processo de “feitura” e, como prova disso, a norma em causa ainda encontrava-se na Assembleia Nacional onde seguia os seu processo regular  antes do seu devido envio ao Presidente da Republicavii).

 

Finalmente e sem prejuízo de tudo acima trabalhado, temos que, no nosso ponto de vista, importante será também esclarecer a questão que se relaciona com a chamada “legitimidade processual”, bem como a da própria “personalidade judiciária”, todos eles para o efeito do requerimento da fiscalização preventiva da constitucionalidade. Assim, nos termos do Código do Processo Civil de 1961 (com as sucessivas alterações, principalmente a de 1967) em vigor na ordem jurídica são-tomense estabelece-se que “ A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte”(Artigo 5.º, n.º1 do CPC) e, no número 2 deste mesmo artigo, declara-se que “ Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.Sendo esta a regra e sendo que as bancadas parlamentares não dispõem de personalidade jurídica e portanto não dispõem de personalidade judiciária automática) permanecem sérias dúvidas de que os grupos parlamentares se enquadram em alguma das excepções previstas no CPC nos termos dos artigos 6.º, 7.º e 8.º e seguintes. Mas prossigamos e desta feita para analisar a questão que se prende com a legitimidade processual. Nos termos do CPC em vigor “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.” (Artigo 26.º e seguintes do CPC). Isto quer significar que, desde que o autor da ação em causa tenha interesse directo em demandar, ele se torna parte legítima nos temos do CPC. Entrementes, se apenas associarmos estes dois institutos jurídicos ora acabados de qualificar em termos legais sem mais, poderemos incorrer em erro. Por conseguinte, transportando-nos, mais uma vez, para o artigo 145.º, n.º 2, da CRDSTP, veremos que só Podem requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de diploma que tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como Lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções.”. Neste artigo poderemos verificar que a própria CRDSTP afasta-se do conceito base de legitimidade jurídica para efeito do processo em causa para abraçar a excepção consagrada nos termos do artigo 26.º n º 3 (lida ao contrário) nos termos do qual “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”, ou seja, no caso em que a lei indica “a priori” quem possui a legitimidade processual (como o caso em apreço) não se vislumbra qualquer hipóteses em que o autor cuja legitimidade não seja reconhecida previamente vir a ser reconhecido “a posteriori” como tal, de modos que não importa quem seja o requerente de um tal processo se o mesmo não se encontrar contemplado pela lei “qualificante” ou “habilitante” como tendo legitimidade, qualquer ação proposta e/ou requerimento apresentado, deverá ser liminarmente recusada. Transportando este pensamento ao contexto do caso concreto, a lei é clara quando faz menção ao Primeiro-Ministro, ao Presidente da República, bem como a um quinto (1/5) dos Deputados. Assim, além daquelas “figuras” supramencionadas, a mais nenhuma se reconhece legitimidade para requerer uma fiscalização preventiva da constitucionalidade. Por conseguinte, se ao invés de um quinto dos deputados (que devem assinar, todos eles, a “petição requerente”), o requerente for uma “bancada parlamentar” bem identificada no processo ou mesmo várias, o TC deverá recusar “liminarmente” o conhecimento do processo, uma vez que nos termos constitucionais (o artigo 145.º, n.º 2, da CRDSTP) não se reconhece a nenhuma “bancada parlamentar” a legitimidade processual para requerer um tal expediente.

 

Recorde-se, no entanto, que como já referimos no início deste artigo, o mesmo não visou tratar e curar-se das questões de fundo (direito substantivo, em si mesmo) mas apenas e tãosomente conhecer dos ditames processuais, isto é, direito adjetivo ligados a um processo de requerimento da fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas nos termos constitucionais.

 

Para concluir, necessário se torna e sem por em causa a pertinência e a oportunidade do diploma de criação de um Tribunal Constitucional, partilhamos igualmente da convicção da necessidade urgente de instituição e implementação de um Tribunal Administrativo e Fiscal na ordem jurídica são-tomense, isto tendo em linha de conta os todos problemas que, a nosso ver, é de conhecimento generalizado que esta matéria tão particular comporta e suscita a nível nacional, regional e internacional.

 

São Tomé/Londres, 02 de Janeiro de 2018

 

 

                                                        

*  Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Lusíada de São Tomé e Príncipe. Presidente do Instituto do Direito e Cidadania de São Tomé e Príncipe. Diretor do Anuário de Direito de São Tomé e Príncipe. Membro do Instituto de Direito de Língua Portuguesa. Investigador do Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade – CEDIS da Universidade Nova de Lisboa. Legal Entity Appointed Representative – LEAR da Universidade de São Tomé e Príncipe.

**  Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Vice-Presidente do Instituto do Direito e Cidadania de São Tomé e Príncipe. Diretor-Adjunto do Anuário de Direito de São Tomé e Príncipe. Juiz Social (Família e Menores) na Comarca de Coimbra, Portugal.

i Referimo-nos em particular ao Comunicado datado de 30 de Dezembro de 2017, emitido pelo Gabinete do Presidente da República em que se anuncia o fim das funções de alguns juízes do Tribunal Constitucional de São Tomé e Príncipe, por um lado, e da “equacionada” possibilidade da Assembleia Nacional “exonerar” os Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça nos termos da alínea e) do artigo 97.º da CRDSTP, por outro lado. ii Sobre esta matéria ver Jorge Bacelar Gouveia, “A Fiscalização da Constitucionalidade na Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe de 1990”, in Anuário de Direito de São Tomé e Príncipe – 2015, 2016, pp. 40 e ss. iiiNecessário se torna evidenciar que este sistema de fiscalização da constitucionalidade na sua totalidade nos foi emprestado pelo sistema constitucional português o qual, a propósito, a CRDSTP se inspirou. Ver Relatório do Tribunal Constitucional Português na III Conferência Trilateral (Itália, Espanha e Portugal): A execução das decisões do Tribunal Constitucional pelo Legislador. 26-29 de maio 2001, Roma.

ivPara um estudo mais aprofundado ver Jorge Bacelar Gouveia, “A fiscalização da constitucionalidade…”, op. cit., pp. 11-67. v Em todo o caso, nos termos do artigo 229.º do CPC, as notificações judiciais devem ser ordenadas por um despacho a que a legislador convencionou chamar “despacho prévio”, sem a habilitação do qual, nenhuma notificação se considerara legal. vi Das informações divulgadas nas redes sociais e, conforme temos vindo a referir, verificada a autenticidade destes documentos parece-nos que o referido documento do TC deu entrada na Presidência mas fora do horário normal de funcionamento dos serviços. viiRecorde-se que uma tal norma jurídica apenas poderia ser objeto de requerimento de fiscalização preventiva da constitucionalidade a partir do momento em que fosse enviada ao Presidente da República solicitando-lhe uma sua eventual promulgação.

 

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