Esta frase sublinha que o homem não pode ignorar o seu meio, que o homem embora distinto da realidade à sua volta não pode ser separado desta. A segunda parte da frase exprime a ideia de que o homem se quiser salvar-se deverá salvar a sua própria circunstância, isto é a sua própria realidade.
Esta frase de Ortega e Gasset ajuda-nos a compreender as acções do Presidente da República que levaram a demissão do anterior primeiro- ministro e a nomeação de um novo Governo, chefiado por Américo Ramos.
Confesso que tinha uma ideia negativa do Presidente da República que parecia só existir para ser apenas mais uma peça na engrenagem do agir autoritário e desregrado do ex Primeiro-ministro, chefe do Governo e patrão do ADI.
Tenho de reconhecer hoje que entendo que esta atitude submissa era fruto da circunstância que levaram a sua eleição. Proposto, apoiado e eleito por acção do Presidente do ADI, o seu dever de lealdade impunha uma conduta que ele considerava adequada a realidade.
Tudo começou a mudar quando as circunstâncias mudaram e ele se viu perante o imperativo de mudar a circunstância para se salvar a si próprio.
Como são-tomense e patriota, conhecedor do sofrimento do seu povo e perante os desmandos e violações flagrantes das normas que devem reger uma comunidade democrática ele foi obrigado a assumir na plenitude as suas obrigações e o seu papel de mais alto magistrado da nação, garante do bom funcionamento das instituições e da boa governação. As circunstâncias não toleravam que ele se mantivesse isento e insensível. O seu papel de Presidente da República estava a ser ultrajado e ignorado sem qualquer benefício para o bem da nação. Já não se tratava apenas das suas responsabilidades como Chefe de Estado, mas sim da sua pessoa, como cidadão e como santomense que estava em causa, o seu bom nome e o legado que ia deixar.
Mudar as circunstâncias para se salvar era o único caminho digno que lhe permitia resgatar o país de uma deriva autoritária e predadora.
E fê-lo com coragem e determinação. Podemos e devemos assinalar que nem sempre o fez da melhora maneira possível. Mas temos de reconhecer que tinha perante si um adversário que não olhava a meios para atingir os seus fins, sem qualquer preocupação pelo bem da comunidade. Manipulou pessoas e instituições servis e cobardes. Desde o recurso ao seu Tribunal Constitucional, ao pedido de eleições antecipadas, nomeação de alguém que seguramente não tinha a aceitação geral de todo o Partido, continuado com a apresentação de 3 nomes, sabendo que só uma tinha o perfil adequado para ser Primeiro- ministro para depois criar as condições para inviabilizar a sua governação, o ex-primeiro ministro tudo fez para criar o caos e comprometer qualquer solução aceitável para ultrapassar a crise, A indicação em desespero de alguém da sua confiança privada foi um ultimo espiro que foi ignorado e bem pelo Presidente da República.
Quero salientar o papel da ex-ministra da Justiça que ao mostrar caracter se recusou a ser uma simples marionete e é prova que neste país existem pessoas que prezam a sua coerência e dignidade.
A nomeação de Américo Ramos, para além de alguns problemas de processo faz justiça a sua fidelidade ao Partido que representou durante quatro anos de oposição com consequências pessoais conhecidas. A sua legitimidade será posta à prova no momento da aprovação do programa e do orçamento.
Mas não tenhamos ilusões. O afastamento do ex-Primeiro-Ministro e nomeação de um novo Governo é um Placebo, Não resolve os profundos, complexos e urgentes problemas políticos, económicos e sociais do país . Em consciência não devemos exigir que o novo Governo, ou qualquer governo nestas circunstâncias resolvam de imediato os problemas do país.
A nomeação de um novo Governo chefiado por uma personalidade do ADI cria sim uma oportunidade para começarmos a corrigir alguns problemas graves.
Primeiro entre todos, a falta de transparência que sempre caracterizou a governo do ex-primeiro-ministro. Os acordos secretos assinados sem obedecer as leis do país precisam ser revistos com prudência, mas com firmeza. Medidas como o aumento das taxas aeroportuárias precisam de
justificação e moderação. Já é evidente que elas prejudicam o país . O caso de 25 assume aqui importância particular.
Associada a transparência está a prestação de contas que o anterior governo ignorou por completo.
Neste caso em específico, os Tribunais, a Procuradoria da República, os Órgãos reguladores não podem continuar capturados , cúmplices e servis. Têm de agir de acordo com as leis que os criaram, ser independentes e corajosos. Mude-se o que tiver de ser mudado.
Em segundo lugar é preciso assumir uma nova abordagem da segurança. Ela não pode continuar a ser garantida por instituições que provocam o medo e o terror junto do cidadão para servir os desígnios do poder.
A segurança tem de estar ao nível das ameaças internas e externas e os acordos neste sector tem de ser compatíveis com os desafios que a conjuntura internacional apresenta, tirando o máximo proveito das parcerias existentes.
É urgente promover a unidade, disciplina, linhas de comando claras, abandonar manipulações e compadrios, promover a cooperação e interoperacionalidade entre forças e serviços e optimizar recursos humanos e financeiros.
Terceiro. Embora o Programa do Governo seja resultado das opções eleitorais do ADI apresentadas ao eleitorado o momento actual exige no mínimo uma revisão das prioridades. A situação económica e social e o tempo disponível obrigam a essa revisão, sobretudoa favor do sector da saúde. Uma maior liberdade de imprensa e um dialogo aberto e inclusivo são essenciais.
Por último e concluindo. O Presidente da República mudou perante as circunstâncias e ao salvar-se criou uma oportunidade. Espero que continue neste registo.
Por outro lado o Governo, os partidos políticos da oposição têm a obrigação de aproveitar estar oportunidade para mostrar que colocam o interesse nacional acima dos interesses privados de cada um. Têm de mudar a forma de fazer as coisas. Não podem continuar a fazer as coisas como sempre fizeram com os resultados que conhecemos
. A sociedade civil, cada cidadão individualmente tem de mudar,
Sei bem como é difícil mudar. Mudar criar desconforto, coloca-nos perante o desconhecido e o incerto. Mas não temos escolha. Ou mudamos ou perecemos.
Para o país mudar temos de mudar todos. O Placebo só se tornará uma oportunidade para tratar os males do país se as pessoas, cada cidadão iniciar uma processo de mudança pessoal. Admito que uma pessoa mudar pode ser difícil. Mas é possível. Admito também que se mudar individualmente já é difícil, mudar uma sociedade pode parecer impossível.
Mas não é impossível, porque pessoas mudam pessoas. Este papel cabe aos líderes em todos os níveis da sociedade.
Precisamos de líderes que em vez de manipular pessoas, explorando os seus instintos e necessidades básicas, as orientem para mudar a si mesmas, para serem melhores pessoas, melhores cidadãos. Outros líderes em diferentes partes do mundo já o fizeram. Nós podemos fazê-lo também.
Simon Sinek escreveu: Líderes não cuidam de resultados. Líderes cuidam de pessoas. E pessoas geram resultados.
Para Sinek lideres devem ser empáticos, humildes e íntegros, e a liderança é um musculo que deve ser treinado e exercitado. Ele defende que os líderes devem ser inspiradores, exemplares e confiáveis e o seu verdadeiro papel é cuidar de quem está sob o seu comando.
Todos estamos convidados a assumir o desafio. Mudar é preciso. Não é fácil, nem confortável, eu sei, mas repito ou mudamos ou perecemos.
Rafael Branco