A Essência dos Políticos em São Tomé e Príncipe

“Há quase 50 anos rompemos as correntes coloniais com a esperança de forjar um destino próprio. Hoje, porém, não reconheço a nação que sonhamos.” Neste artigo contundente, Deodato Capela desnuda a crise ética da política são-tomense, analisando como líderes transformaram o poder em butim pessoal. Uma reflexão urgente sobre corrupção, impunidade e os caminhos para renovação nacional. Leia o grito de alerta de um dos mais respeitados analistas políticos do país.

read more

Deodato Capela - Analista Político

A Essência dos Políticos em São Tomé e Príncipe: Um Grito de Alma

Por Deodato Capela |

Há quase 50 anos, rompemos as correntes coloniais com a esperança de forjar um destino próprio. Hoje, porém, confesso: não reconheço a nação que sonhamos.

Encontro-me perplexo, indignado e mergulhado em dúvidas ao observar a essência daqueles que deveriam guiar São Tomé e Príncipe. Não consigo compreender como líderes, que juraram servir ao povo, transformaram-se em artífices de sua própria desgraça. Canalhas? Corjas? Talvez as palavras sejam duras, mas diante de tanta negligência, só me resta a crueza da verdade.

Vejo políticos que não governam — administram teatros. Criar casos, distrair a população, alimentar conflitos irrelevantes… Tudo para manter os olhos do povo longe do essencial. Enquanto isso, o poder é tratado como butim, não como missão. Abusam, desviam, mentem. E quando a pressão aperta, abandonam o cargo com pretextos tão frágeis quanto sua moralidade. O mais revoltante? Voltam. Sempre voltam. Como fantasmas que assombram nossa democracia nascente, reaparecem em novas eleições, sorrindo, como se o passado fosse apenas poeira.

O Poder como Fim em Si Mesmo

Reflito sobre as palavras do professor Adelino Maltez em “Quem Governa”. Ele lembra que o poder não é um fim, mas um meio para edificar instituições e dignidade. Em São Tomé e Príncipe, porém, o poder tornou-se um fim em si mesmo. Líderes fracassam, não por incapacidade, mas por escolha. Escolhem servir a si mesmos, a suas panelinhas, a seus interesses escusos. Quantos projetos morreram na praia da corrupção? Quantas promessas viraram cinzas no altar da impunidade?

Há os que, mesmo fora do poder, insistem em sabotar. Não por amor à pátria, mas por ódio à ideia de ver outros no comando. Silenciam vozes críticas, manipulam narrativas, semeiam desconfiança. Tudo para manter o povo refém de sua ganância. E assim, a democracia — frágil, ainda ignorante em seus valores — definha. O povo, cansado de esperar, oscila entre a apatia e a revolta.

A Luz da Renovação Ética

Pergunto-me: quando um líder falha repetidamente, quando acumula acusações e escândalos, por que segue impune? Por que permitimos que a justiça seja tão seletiva? A resposta, suspeito, está na estrutura podre que sustenta nosso sistema. Uma teia de cumplicidades, onde o “status quo” é mantido por medo, por conveniência, ou pela ilusão de que “nada vai mudar”.

“Quem governa carrega nas costas o peso da esperança de uma nação.”

— Adelino Maltez

Mas há uma luz, mesmo que tênue. A história mostra que povos acordam. Vejo jovens questionando, vozes dissidentes ganhando coragem, organizações cobrando transparência. Ainda que lentamente, a consciência cresce. Precisamos urgentemente de uma renovação ética, de líderes que entendam que governar é servir, não saquear.

Enquanto isso, continuarei a clamar, a denunciar, a não me calar. Porque São Tomé e Príncipe não é propriedade de ninguém. Pertence aos seus filhos, àqueles que ainda acreditam que um dia, talvez, teremos políticos que olhem para a bandeira e vejam mais que um símbolo — vejam um compromisso. Até lá, seguiremos na luta, pois, como diz Maltez, “quem governa carrega nas costas o peso da esperança de uma nação”. E nossa esperança, embora ferida, ainda respira.

Deodato Capela

Deodato Capela
Analista político e comentador social

Artigo publicado originalmente no portal do CIPSTP